SUS: 64% das grávidas não tiveram direito a um acompanhante no parto

Embora esse direito seja garantido por lei federal, maioria das gestantes ouvidas por levantamento relatou que o acesso ao acompanhante foi proibido pelo próprio serviço de saúde da rede pública.

 

Por https://veja.abril.com.br -(Com Estadão Conteúdo)

Hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) em todo o país estão descumprindo a lei federal que garante às gestantes o direito de ter um acompanhante antes, durante e depois do parto. De acordo com dados coletados pela ouvidoria da Rede Cegonha, programa do Ministério da Saúde, 64% das 54.000 mulheres entrevistadas pelo programa entre maio e outubro de 2012 relataram que não tiveram direito ao acompanhante. 

Além disso, 56,7% delas afirmam que o acesso ao acompanhante foi proibido pelo serviço de saúde e só 15,3% relataram não conhecer esse direito. Ou seja, os dados demonstram que, apesar de estar em vigor desde 2005, a Lei nº 11.108 é descumprida por decisões das próprias unidades de saúde e muito pouco por desconhecimento da gestante. No entanto, a resolução que regulamentou a lei não prevê nenhuma penalidade para o hospital que não cumpri-la, deixando as mulheres sem um mecanismo oficial para reclamar.

Regional — No estado de São Paulo, por exemplo, o mesmo problema foi constatado pela pesquisa de satisfação dos usuários do SUS, realizada entre 2008 e 2010. No último ano, 11.919 mulheres foram ouvidas e 49,7% delas afirmaram não ter tido permissão para ter um acompanhante. 

Ainda em São Paulo, os dados demonstraram que 20% das gestantes não receberam nenhum mecanismo para alívio da dor antes e durante o parto — nem mesmo um banho morno, massagem ou analgésico, o que é considerado injustificável. “Não promover nenhum tipo de alívio da dor é um absurdo. Nada justifica o hospital não usar nenhum recurso para promover um parto melhor”, diz Arícia Giribela, médica da Associação de Ginecologia e Obstetrícia de São Paulo (Sogesp).

O problema é reconhecido pela Secretaria de Estado da Saúde, que implementou uma política especial de atenção à gestante em 2010. O Ministério da Saúde também admite o problema.

Motivos — As principais razões apresentadas pelos hospitais para não autorizarem o acompanhante são a falta de espaço físico adequado para garantir a privacidade das gestantes — em geral, o pré-parto acontece em uma sala com várias mulheres — e também o risco de o acompanhante atrapalhar o processo.

João Steibel, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), diz que a superlotação das maternidades também é um problema. “Quando o movimento está normal, tudo bem. Mas quando está lotado, o acompanhante só atrapalha. Muitas vezes sou agredido verbalmente, mas não posso abrir mão da segurança do atendimento”, diz. Segundo Steibel, para cumprir a lei, seria necessário investir na infraestrutura dos hospitais. “O ministério (da Saúde) diz que há verbas para o parto humanizado, mas nunca vi chegar.”

A médica Daphne Rattner, professora da Universidade de Brasília (UnB) e presidente da Rede Pela Humanização do Parto e Nascimento (Rehuna), diz que não é preciso tanto dinheiro para melhorar esse atendimento.  “Não precisa de muito investimento para garantir a privacidade. Podem colocar uma cortininha e isso é barato. Já ouvi hospitais dizerem que se o acompanhante desmaiar, a equipe teria de dar atenção a ele em vez de cuidar da mulher”, diz.

Importância — Na opinião da professora, os serviços de saúde ainda não se deram conta de que a presença do acompanhante acalma a gestante, a deixa menos ansiosa e mais segura, o que facilita a realização do parto. Daphne diz, ainda, que a mulher lida melhor com a dor do parto com a presença do acompanhante, o que reduz a necessidade de aplicação de anestesias ou medicamentos. 

Com a finalidade de tentar reduzir o problema, está tramitando no Senado um projeto de lei que obriga os hospitais a afixar em local visível um aviso sobre o direito da gestante de ter acompanhante. A proposta já foi aprovada na Câmara dos Deputados.

O Ministério da Saúde informou que conhece o problema e que os principais hospitais passarão por uma auditoria. A decisão de fiscalizar essas unidades, diz o Ministério, foi tomada assim que o órgão teve acesso aos resultados da pesquisa da Rede Cegonha. Além disso, os hospitais onde ficar constatado que não há cumprimento da lei podem deixar de receber verbas e até serem descredenciados do SUS.